Luz e Sombra - Parte II
- Clarinha
- 27 de abr. de 2018
- 4 min de leitura
Capítulo II - Forjados no Sangue
Hoje trinta e cinco anos pode não parecer jovem para alguma outra raça, mas para um elfo, isso não é lá muita coisa e minha irmã às vezes ainda me tratava como sua “irmãzinha”. Embora eu tivesse passado 20 anos estudando e absorvendo as energias da Nascente do Sol, ainda era considerada uma aprendiz perto do conhecimento de outros elfos que ali trabalhavam.
Por vivermos muito, a quantidade de tempo que passamos estudando pode ser muito significativa e Belanore era 50 anos mais velha que eu. Ela havia se tornado uma sacerdotisa muito habilidosa, “de primeira linha” como seu mestre costumava dizer.
É claro que ser irmã mais nova da sacerdotisa “de primeira linha” atraia muitos olhares de especulação em minha direção e eu constantemente me pegava pensando se seria tão boa quanto a minha irmã, porque era isso que as pessoas pareciam esperar de mim.
Ficava sempre me perguntando se eu estava correspondendo às expectativas e, quando errava alguma coisa, não conseguia deixar de imaginar se Bela havia tido êxito de primeira ou se havia penado, como eu, para aprimorar suas habilidades.
Eu estava completamente focada nos estudos e treinava muito. Com o passar daqueles anos minha irmã acabou por ser escolhida como instrutora e, para minha infelicidade, como descobri mais tarde, caí na sua turma de aprendizes. Acho que com medo de pensarem que teria algum tratamento diferenciado por nossa ligação sanguínea, Bela fazia com que eu fosse uma das alunas mais cobradas. Mas eu não podia reclamar, as coisas estavam indo bem em nossas vidas.
E foi naquela época que o mundo, como eu conhecia, começou a desmoronar... Arthas Menethil deu início a sua marcha contra Quel’thalas. A nossa barreira o teria impedido de macular nossas terras, como fez tantas outras vezes contra os trolls, não fosse a traição sofrida por um dos nossos, um alto elfo. Acho que nunca pensamos na hipótese de sermos traídos por alguém do nosso próprio povo, acho que nunca ninguém ousou pensar que um alto elfo seria capaz de tal coisa.
A barreira que protegeu nosso povo por milênios foi enfraquecida e Arthas e sua horda de mortos-vivos colocaram seus pés malditos em nosso solo sagrado. Sua marcha era tão poderosa, que a vida se esvaía por onde passavam e foi nessa investida que perdemos nossos pais...
Tentamos nos proteger, mas o avanço era constante, e os mortos, incansáveis. Lembro até hoje dos gritos desesperados dos elfos que tentavam, a todo custo, proteger a Nascente do Sol, a maioria foi exterminada naquele dia em que a fonte foi corrompida e eu teria sido mais uma entre os mortos, não fosse pelas habilidades de minha irmã.
Ambas saímos muito feridas, eu um pouco mais que ela, mas felizmente, estávamos vivas. Só não estávamos preparadas para ver o que havia sobrado de nossa terra. Todo o brilho, toda a magia, toda a energia, toda a imponência haviam sido aniquilados. Morte e destruição eram as palavras que moldavam a nova paisagem.
Ficamos de luto por tempo demais... pela morte de nossos pais, pela destruição da Nascente do Sol, pelo quase extermínio de nosso povo e pela de ruína de nossas terras. Foram tempos escuros... minha irmã se agarrava a esperança com o retorno do príncipe Kael e eu, vergonhosamente, me agarrava à ela. Fui, por muito tempo, um peso morto.
Sem uma fonte de energia, algo semelhante à fome se instalava dentro de mim e dos demais sobreviventes. O príncipe Kael’thas, havia acabado de nos proclamar Elfos Sangrentos, aqueles que foram forjados no sangues dos irmãos caídos, e dava início à busca por outras fontes das quais pudéssemos nos alimentar. Enquanto isso, o restante de nós tentava se ajudar o máximo possível. Quer dizer... minha irmã tentava ajudar o máximo possível, eu só ficava parada olhando pela janela aquilo que um dia foi o nosso lar.
Eu estava fraca, mal havia conseguido me recuperar dos danos físicos sofridos quando parte dos elfos sobreviventes foram convocados pelo príncipe para auxiliar a Nova Aliança na também destruída Lordaeron. É claro que eu não havia sido chamada, mas outra Brilhaurora, sim.
Chorei ao ouvir o nome da minha irmã sendo anunciado como uma das sacerdotisas escaladas, mas Kael precisava dos melhores elfos para ingressar no combate contra o Flagelo mais ao sul, enquanto eu ficaria para trás, em Quel’thalas.
Naquele dia minha irmã segurou meu rosto em suas mãos e falou com uma seriedade que nunca tinha visto antes: “Você precisa se recuperar, está entendendo? Tem muito trabalho a ser feito e Lor’themar precisará de toda ajuda possível para retomar nossas terras e livrá-las dessa infestação maldita! Você não pode mais se dar ao luxo de ser a garotinha mimada que sempre foi e teve tudo que sempre quis! Você faz parte dos poucos sacerdotes que sobreviveram e precisa colocar seu luto e sua fome de lado e começar a trabalhar!”.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto, mas não me atrevia a dizer uma só palavra. Eu não era a garota mimada que ela dizia, mas havia me tornado. Eu havia desistido de tudo depois que a Nascente foi destruída e pouco fiz para ajudar meu povo. Eu havia aceitado a derrota e não queria mais lutar, mas esperava que a minha irmã lutasse por mim e para mim. Eu a amava incondicionalmente, mas percebi então que não era esse o motivo de não querer que ela fosse embora, mas sim porque estava totalmente dependente dela.
Continua...
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